domingo, 26 de setembro de 2010

Mistério


Alto. Olhos verdes. Cabelo castanho e cumprido. Barba grande, do jeitinho que eu gosto. All Star preto, na verdade, cinza. Desbotado. Jeans. Fones de ouvido. Livro na mão, sempre. Às vezes lendo, às vezes não. Isso é tudo o que eu sei sobre ele, o meu paquera do ponto de ônibus.

Todo mundo que depende do transporte público em São Paulo, tem, teve ou terá um paquera do ponto. Já que os ônibus demoram décadas pra passar é necessário arranjar algum passatempo. Não tenho saco pra palavras cruzadas. O barulho dos carros, ônibus, buzinas, ambulantes e afins é muito para competir com meus fones de ouvido, então para evitar problemas de audição no futuro, opto por deixá-los desligados. Ler, talvez, se eu não ficasse enjoada. Arranjar alguém pra ficar olhado até a pessoa ficar sem graça. Essa foi minha opção.

Acontece que ele não se deixa afetar pelos meus olhares, na verdade, acho que nem percebe e continua no seu mundo, no seu livro, com seus fones, seus pensamentos, que eu não faço nem idéia de quais sejam. Ele tem cara de que gosta de rock. Ou pop. Reggae, talvez. Nunca consegui ver a capa dos seus livros, só sei que são grossos, e muito. Certa vez, cheguei a pensar que ele estava me olhando. Eu passei a mão no cabelo, ele veio em minha direção, eu sorri, ele esticou o braço, eu olhei com cara de interrogação. O ônibus parou e ele subiu. Sumiu.

Ele é a personificação da palavra mistério. Nunca o vi sorrir, nunca ouvi nenhuma palavra sair de sua boca. Ele anda sem olhar para os lados. E quando ele passa parece que o mundo inteiro para, como aqueles galãs de filme que aparecem em slow motion. Ele não é exatamente o cara mais lindo que eu já vi na vida, mas tudo nele me atrai. Dá vontade de penetrar sobre esse ser que parece inatingível. Mergulhar no seu mundo e descobrir o que se passa naquela mente. Analisando bem, ele tem cara de mau. Mas isso deve ser por causa da barba.