domingo, 2 de setembro de 2012

O último sobre você



E eu acordei com a claridade da luz do sol entrando pela janela do carro. Olhei pra você e vi que estava todo torto para que eu coubesse no seu colo. Apesar do carro fechado e de nós estarmos muito perto, eu ainda estava com frio.

Ainda estávamos com a roupa e os cabelos molhados por causa da chuva que tomamos na noite anterior, mas confesso que isso não me incomodava tanto quanto aquele abismo que ainda existia entre a gente. Não físico, já que -finalmente- você estava ali ao meu lado, alias, o mais próximo que já estivemos durante todos esses meses.

Lembra o quanto planejamos isso? E todas as tentativas frustradas de você vir pra cá ou eu ir pra lá. Acabou que calhou de nos encontrarmos aqui, nesta cidade desconhecida. E agora estamos aqui, a sós, no banco traseiro deste carro, e por mais perto que isso seja, hoje, mais do que qualquer outro dia, somos dois desconhecidos. Na verdade, acho que sempre fomos estranhos que se convenceram de que, por algum motivo, eram amigos.

Fiquei ali te observando por muitos minutos, e por mais estranhos que fossemos naquele instante, aquela visão de você dormindo era-me tão familiar. Como se eu tivesse passado a vida inteira acordando com você ao meu lado, e da mesma forma, poderia passar mais uma vida acordando assim.

Muitas coisas passavam pela minha cabeça, principalmente cada passo que demos para chegar até ali. Voltei no tempo como numa regressão e tentei achar o momento, o passo errado que demos para que tudo desandasse dessa forma. Não encontrei resposta. Estou a procurá-la até hoje.

Você acordou assustado e me viu te olhando como se fosse um objeto de estudo. Reclamou das dores no corpo, já que havíamos passado algumas horas ali amontoados de forma improvisada. Me olhou por poucos instantes, e eu daria todas as moedas que eu tivesse na vida pelo seu pensamento ao me olhar, mas de tão breve e superficial que foi não deveria valer tanto.

Quando finalmente percebemos que estávamos sozinhos ali, naqueles poucos centímetros que medem a traseira de um sedan, o clima foi ficando cada vez mais tenso. Minhas expectativas e frustrações disputavam uma luta incessante dentro de mim, e a sua indiferença transbordava de forma que nós não cabíamos mais ali.

Você se espreguiçou e abriu a porta sem me dar nenhum tipo de explicação, satisfação ou bom dia. A indiferença escorreu porta afora e minhas frustrações se vangloriavam por terem vencido a disputa. Você saiu do carro. Foi quando finalmente me dei conta, que de uma forma ou de outra, precisaria sair também da minha vida.